A identificação humana de vítimas de desastres em massa: a importância e o papel da Necropapiloscopia neste contexto.
Tatiana dos Santos Ferreira*
A Necropapiloscopia é o método de identificação de cadáveres em diversos estágios de decomposição e condições de morte por meio do exame das papilas dérmicas e cristas de fricção. Seu objetivo principal é identificar casos de cadáveres que apresentem identidade desconhecida ou muitas vezes questionada. Os desastres em massa são os acidentes, naturais ou produzidos diretamente pela ação ou pela influência humana, que geralmente resultam em um elevado número de vítimas fatais. Nestes desastres, os corpos, muitas vezes, encontram-se carbonizados, macerados, saponificados, fragmentados ou em processos de decomposição avançada, sendo de fundamental importância técnicas para a recuperação destes tecidos para que a pessoa seja devidamente identificada e da forma mais rápida possível, diminuindo desta forma, a angústia dos familiares.
O processo para estabelecimento da identidade deverá basear-se na premissa de que cada indivíduo é único, distinto dos demais. E este conjunto de fatores tornam o processo de identificação mais complexo do que o simples ato do reconhecimento, pois prova por meios técnicos, precisos, inconfundíveis e irrefutáveis que uma pessoa é diferente de qualquer outra do Universo, evitando-se desta forma, que sejam trocados os corpos, que seja imputada pena criminal a uma pessoa inocente ou que a identidade civil seja utilizada erroneamente gerando inúmeros problemas. E neste sentido temos como um dos métodos científicos de identificação humana, de grande praticidade e eficácia, o método Papiloscópico e Necropapiloscópico.
É um dever do Estado e um direito de todo cidadão ser identificado, deste modo, os princípios éticos e morais que envolvem toda a sociedade propiciam para que haja todos os esforços possíveis para localizar e identificar o maior número possível de vítimas envolvidas em desastres. Ao longo destes tempos observou-se a importância da Necropapiloscopia em diversos desastres em massa que tivemos em nosso país, citando casos mais recentes como exemplos, caso da TAM em 2007 (corpos carbonizados, mas muitos ainda puderam ser identificados por meio da Necropapiloscopia), deslizamentos de terra no Rio de Janeiro em 2011 (considerado como o maior desastre climático da história do país e que muitas pessoas morreram e muitas ficaram desaparecidas), incêndio na boate Kiss em Santa Maria, Rio Grande do Sul, desastre de um ônibus universitário na rodovia Mogi-Bertioga, desastre ocorrido em Brumadinho, MG (onde muitas vítimas foram também identificadas por meio da Necropapiloscopia, mesmo após algum tempo da localização do corpo), e o mais recente que foi a identificação das vítimas ocorrida em deslizamentos de terra na região de Santos, São Vicente e Guarujá, no litoral Paulista.
Neste texto será abordado o trabalho da Necropapiloscopia realizado no desastre em massa na região de Santos, São Vicente e Guarujá. Uma equipe de Papiloscopistas que trabalham no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) partiram para o litoral logo no início das buscas pelos bombeiros, dia 03 de março e os trabalhos finalizaram apenas no dia 18 de março após a localização da última vítima. Foram 46 vítimas, sendo 44 identificadas pela Papiloscopia. Apenas uma criança de 11 meses e uma de dois anos não puderam ser identificadas devido a impressão padrão estar sem condições de pesquisa, ou seja, a impressão que foi coletada na maternidade (impressão plantar do recém nascido) e a impressão digital da criança de 2 anos no momento que ela tirou seu documento de identidade estavam muito “borradas” sem qualidade para confronto, não possibilitando a identificação por meio da Papiloscopia. Indicando a importância dos cuidados a serem realizados no momento da coleta destas impressões papilares para futuras identificações.
Conforme os corpos chegavam ao IML de Praia Grande ou do Guarujá, a equipe partia para o tratamento de recuperação dos tecidos que encontravam-se muito deteriorados e após a coleta das impressões digitais, estas eram enviadas para o IIRGD por meio do Sistema de Legitimações à Distância (LEAD) para que os Papiloscopistas analisassem junto ao banco de dados e chegassem a identificação. As identificações eram realizadas no mesmo dia e o trabalho foi muito rápido, podendo dar um alento a família.
A última vítima foi encontrada após 15 dias das buscas e o corpo estava saponificado devido a umidade do terreno em que foi encontrado. Assim que a equipe ficou sabendo da localização do corpo, partiu para o Guarujá e conseguiu recuperar o tecido utilizando técnicas periciais e obtenção de uma impressão de qualidade excelente para confronto. A vítima foi rapidamente identificada e a equipe pode ouvir um relato emocionante de um dos familiares que era irmã da vítima. Ele relatou que todos os dias estava sonhando com a irmã desaparecida e ela gritava por ajuda. Mas graças ao nosso trabalho e dos bombeiros, ele agora tinha um pouco mais de paz, pois pode enterrar a irmã com dignidade junto de seus demais parentes que também não sobreviveram a tragédia. Por mais que seja triste toda a situação, a identificação das vítimas fornece certa tranquilidade aos que buscam por notícias.
Portanto, observa-se que a Necropapiloscopia desempenha um importante papel no processo de identificação de vítimas de desastres em massa, visto que esta identificação fornece um resultado rápido e seguro às famílias que já estão sofrendo tanto pela perda de seus entes.
Trabalho de tratamento para realização da coleta de digitais
*Papiloscopista Policial, especialista em Necropapiloscopia no Estado de São Paulo e professora da Academia de Polícia do Estado de São Paulo e da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.
Fonte: APPESP
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