Irmãs se reencontram após 47 anos de distância, graças a projeto do Instituto de Identificação Tavares Buril

Alagoana radicada em Pernambuco, a feirante Marinita Rabelo Leite tentou, por 47 anos, rever as duas pessoas mais presentes em sua infância: suas irmãs Maria Mirtes da Conceição e Maria Madalena Lima de Freitas. A espera terminou, enfim, numa manhã recente de domingo em Aracaju, capital de Sergipe. Companheiras inseparáveis quando meninas, o trio agora terá oportunidade de reatar laços rompidos por uma história de abuso, negligência e exploração.

Marinita, com quem o restante da família perdeu contato na década de 1970, voltou ao convívio das irmãs através do projeto Reencontro, promovido pelo Instituto de Identificação Tavares Buril (IITB), órgão ligado à Polícia Civil de Pernambuco.

O projeto usa bases de dados de todo o país para rastrear o paradeiro de pessoas, desvendar desaparecimentos e possibilitar reuniões há muito ansiadas.

Marinita foi levada da sua casa em Arapiraca (AL), aos 10 anos, por uma meia-irmã, por parte de pai, que prometeu uma temporada de férias em Pernambuco. O convite era uma mentira. Em Olinda, a menina passou a ser explorada em trabalhos domésticos, como uma Gata Borralheira. Porém a história não se resolveu com a chegada de um príncipe encantado, e sim por um ato de sororidade. Uma vizinha, que era policial civil e se chamava Jupira, a levou para sua casa no Ipsep e depois para Garanhuns, aonde foi transferida pela corporação. No Agreste pernambucano, a alagoana conheceu outro anjo da guarda, a amiga Vera Lúcia Soares Dias.

“Adotei Marinita como a irmã que nunca tive”, disse Vera, que, comovida com a história da melhor amiga e sua vontade de rever as familiares, resolveu procurar o programa.

A equipe de peritas papiloscopistas do Setor de Desaparecidos do IITB e responsável pelo Projeto Reencontro levou nove meses procurando Maria Mirtes e Maria Madalena e conseguiu reuni-las a partir das pistas fornecidas pelos dados constantes nos arquivos do Instituto de Identificação relativos a um irmão delas, já falecido.

“Minha infância foi boa, com muita brincadeira. A gente vivia no roçado, mas nunca apanhei dos meus pais nem arenguei com minhas irmãs”, relembra Marinita, 57, sobre os tempos antes de ser levada pela meia-irmã. Mas nem as lembranças de criança foram capazes de evitar surpresas próprias de uma história de separação tão longa. Marinita teve dificuldade em reconhecer, em suas irmãs, as meninas com quem brincava em Alagoas, mesmo sentimento que tiveram Madalena e Mirtes, 61 e 59 anos, respectivamente.

“Foi uma emoção muito grande. Sou cardíaca e meu coração disparou. Marinita está muito diferente, mas agora a gente vai se falar todos os dias. Eu nunca perdi a esperança”, disse a agricultora Madalena, que reside em São Cristóvão, Sergipe. O próximo desafio do Reencontro será levar Marinita a rever a policial Jupira, com quem a equipe ainda não conseguiu contato.
BUSCA INCESSANTE
Gestor do IITB, o delegado Paulo Jeann Barros Silva explica que o projeto Reencontro foi criado em 2019, a partir da crescente necessidade de identificar pessoas desaparecidas. “Muitas são encaminhadas a hospitais públicos, que nos acionam para ajudar a procurar os familiares. Coletamos a biometria desse cidadão sem nome, sem pessoas próximas, e levamos os dados ao IITB. Após a identificação, localizamos os parentes e realizamos o reencontro.”
Chefe do Núcleo de Identificação de Desaparecidos do IITB, a perita papiloscopista Alexsandra Paula destaca que o projeto já promoveu 34 reencontros. Segundo ela, Vera Lúcia, a amiga de Marinita, mandou um e-mail para o IITB e daí se iniciou uma busca, com dados locais e nacionais, que culminou com a descoberta de uma filha do irmão falecido, que entrou em contato com as tias. “Há pessoas que procuram muito tempo por seus entes queridos, então é uma grande satisfação quando encontram ou reencontram seus familiares. Nosso trabalho é muito criterioso, pois alia a atividade pericial e policial com um viés social, cuja relevância e o impacto se estendem a todos os envolvidos”, ressalta a servidora.
Paulo Jeann lembra que no Brasil, cerca de 200 pessoas desaparecem diariamente. “Já ocorreu de serem identificadas e não quererem encontrar os seus parentes”, revela. Ele também explica que a população pode ajudar levando uma pessoa aparentemente perdida a uma delegacia. Durante o período de coleta de dados e identificação, o indivíduo em questão pode ficar num abrigo do município.
O processo investigativo e tecnológico que permite o reencontro entre vivos também serve para identificar pessoas mortas. “Quando chegam ao IML sem identificação, fazemos a coleta da impressão digital e levamos para o IITB”, explica o delegado. (Colaborou Ana Carolina Guerra)
Fonte: Diário de Pernambuco
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