Novos diálogos revelam mercado das vagas em UTI

O conteúdo de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Civil em 2008 para investigar suposto esquema de transferência irregular de pacientes graves do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) para UTIs privadas revela detalhes de como era a articulação entre os médicos empresários. A transcrição das gravações consta nos autos do processo que tramita na 8ª Vara Criminal desde 2009 e que só este ano saiu do segredo de Justiça, conforme noticiado pelo POPULAR na edição de ontem.

Os médicos Rafael Haddad e Júnio Marques Guimarães, donos de UTIs em Goiânia, aparecem nos diálogos da época combinando a intercalação e troca de informações sobre o envio dos pacientes (leia trechos ao lado). Ambos são citados como empresários que mantinham contato com servidores do Hugo para assegurar o envio de doentes graves para suas UTIs em troca de pagamento de vantagem indevida.

O esquema é semelhante ao evidenciado pela Operação S.O.S. Samu, realizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) em junho deste ano, na qual Haddad voltou a ser preso, suspeito da mesma prática criminal investigada em 2008. A denúncia feita pelo MP em junho de 2009 e que provocou o processo em trâmite na Justiça aponta que existia uma espécie de acordo de cavalheiros entre Haddad e Júnio. Quando a UTI de um estava cheia, o outro indicava o encaminhamento de pacientes para a UTI do amigo.

Em diálogo interceptado em 28 de maio de 2008, Rafael Haddad conversa com Eva Mota Correa Souza, então secretária do setor de reanimação do Hugo. Na conversa, ela diz que a colega Keile Cristina Batista Nunes havia ligado falando que tinha dinheiro para receber referente ao encaminhamento de dois pacientes para a UTI de Haddad. Em resposta, o médico pediu para que ela procurasse Júnio para receber. “Ele mandou ela receber de você (risos)”, retrucou Eva. “Eu vou falar com ele então”, finalizou Rafael Haddad.

Para juiz, processo não ficou parado

O juiz e presidente da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego), Wilton Müller Salomão, declarou, por meio de nota, que o processo resultante da operação feita em 2008 para desarticular esquema de encaminhamento irregular de pacientes para UTIs privadas não ficou parado. Wilton era o 1º juiz da 8ª Vara Criminal de Goiânia e chegou a presidir os autos, mas declarou suspeição em agosto de 2011, fato que já tinha ocorrido antes com o 2º juiz da mesma vara, Rogério Carvalho Pinheiro, em relação ao mesmo processo. Os autos tramitam há mais sete anos e, em abril deste ano, foram repassados para a juíza auxiliar na 8ª Vara, Patrícia Dias Bretas. Ela substitui Wilton Müller, afastado desde o início do ano
para exercer as funções de presidente da Asmego.

Suposto parceiro menciona caso Eduarda

Interceptação feita no dia 7 de julho de 2008 dá a entender que a garota Eduarda Lia Barbosa Martins, de 4 anos, foi encaminhada para a UTI do médico Rafael Haddad após indicação do também médico e suposto parceiro dele, Júnio Marques Guimarães. Conforme noticiado pelo POPULAR na edição de ontem, a menina morreu em 5 de julho de 2008, dois dias antes da gravação, num dos leitos da UTI de Haddad, após ser encaminhada do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo).

Nos áudios, Rafael Haddad reclama que não estava conseguindo lotar a UTI e Júnio responde que já tinha indicado o encaminhamento de pelo menos cinco pacientes do Hugo naquela semana. “Fui eu que pedi para te ligar direito o Juliano, aquela criança que morreu, o outro que a Keile ‘mandô’, um punhado. Entendeu?” A declaração consta na transcrição como fala de Júnio. O caso de Eduarda foi inserido na investigação da Polícia Civil, realizada em 2008, e, em seguida, foi desmembrado, dando origem a um inquérito de homicídio doloso aberto na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Descobriu-se, na época, que não havia pediatra para monitorá-la. Ela ficou menos de uma hora na UTI de Haddad, antes de falecer. Até hoje, após 8 anos, não houve indiciamentos.

Os documentos foram encaminhados para a 62ª Promotoria, do promotor Saulo de Castro Bezerra, que está analisando o apurado.

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