Pesquisadores da UnB criam composto natural de baixo custo para acelerar revelação de impressões digitais em papel
Tecnologia usa como base a resina do cajueiro, árvore comum na região Nordeste. Método promete agilizar investigação policial em cenas de crimes; entenda.
Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram um método de revelar impressões digitais deixadas em papel, de forma mais rápida, barata e menos tóxica. Para isso, eles contaram com a ajuda de uma fonte natural e sustentável: a goma do cajueiro – uma resina retirada do caule da árvore.
O estudo, coordenado pelo Núcleo de Pesquisa em Morfologia e Imunologia Aplicada (NuPMIA) da Faculdade de Medicina, começou em 2016 (entenda mais abaixo).
Segundo os pesquisadores, o material modificado quimicamente se liga a substâncias deixadas pela impressão digital, como íons e gorduras – presentes em gotículas de suor do corpo humano. Os especialistas, então, usaram um revelador para que a impressão digital fosse percebida a olho nu.
Após quatro anos de testes, o grupo verificou que os compostos atuais vendidos no mercado demoram, em média, 24 horas para revelar impressões digitais. Com o uso da resina do cajueiro, a revelação dos fragmentos sai em até 15 minutos.
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Caju, fruto pendurado em árvore no Rio Grande do Norte — Foto: Sandro Menezes
Perícia e investigação
O registro das digitais permite que peritos possam comparar a prova com o banco de dados da Polícia Civil. A necessidade veio com as experiências do dia a dia das polícias do país.
O professor da Faculdade de Medicina da UnB e um dos coordenadores da pesquisa, José Roberto Leite, explica que as impressões digitais são muito usadas em investigações forenses, na identificação de pessoas que podem levar a autores de crimes.
Entretanto, a análise de marcas deixadas em papel “ainda são um desafio”. Isso, principalmente, devido à rápida absorção de vestígios como o suor, por exemplo.
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Impressão digital usando goma de cajueiro — Foto: Reprodução
“Documentos importantes de perícia, de crimes de colarinho banco, envolvem papelada, mas superfícies porosas como papéis são mais difíceis de serem periciadas”, explicou.
Em dezembro do ano passado, o trabalho científico foi publicado em uma revista internacional da área de nanotecnologia, a Environmental Nanotechnology, Monitoring & Management.
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A ideia, segundo o pesquisador à frente do projeto, é melhorar a revelação das impressões digitais no papel e, assim, ajudar nas investigações policiais.
“Esse produto biotecnológico servirá para identificar um criminoso que pegou em uma prova. Com essa substância é possível revelar impressões digitais que a gente não consegue verificar a olho nu.”
Nos testes utilizando a goma do cajueiro, os cientistas realizaram 16 tentativas de modificações de impressões digitais produzidas e analisadas em laboratório. O projeto envolveu ainda universidades do Piauí, de São Paulo e também da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em Portugal, além de empresas e das polícias civis do DF e do Piauí.
“Fizemos várias tentativas de revelação das digitais até ficar perfeito. É um dos raros experimentos do Brasil’, afirma José Roberto.
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Perita Marcela Sampaio, autora da tese de doutorado com a goma do cajueiro — Foto: Arquivo pessoal
Eficácia e baixo custo
A perita criminal Marcela de Sampaio Brandão é autora de uma tese de doutorado sobre a pesquisa. Ela diz que há reveladores de impressões digitais no mercado, mas que eles “não são tão eficazes”, além de “serem tóxicos ou muito caros”, como a ninidrina.
“A proposta é tentar boa eficácia com produto barato. O cajueiro é amplamente disponível na região Nordeste, o rendimento para produzir a goma é bom e diminuiu bastante o custo. Por se tratar de um produto natural, é de baixa toxidade.”
O estudo analisou as características do material, tamanho das impressões digitais e considerou que o tipo de nanopartícula criada a partir da goma do cajueiro se mostrou eficaz para a aplicação.
O próximo passo agora é desenvolver uma formulação para o uso da substância na prática, para que possa ser usada não apenas em laboratório, mas em locais de crime e condições adversas.
“Para levarmos o produto para um local de crime tinha que ser em forma de spray. Não foi feito ainda estudos de quanto tempo a solução fica estável e o tempo de validade após aberto. Essa é uma próxima fase”, explicou a perita.
Testes e validação científica
Para começar a colocar em prática o uso da resina do cajueiro, ainda é preciso percorrer um longo caminho que envolve mais testes com o material em outras superfícies, estágio de validação científica, além da análise de viabilidade econômica e aprovação das autoridades para que seja incorporado em larga escala.
O papiloscopista Rodrigo Menezes, do Instituto de Identificação do DF, é um dos que participaram da pesquisa e diz que pretende continuar os estudos do que ele chama de “química verde”. “É um projeto sustentável, ‘ecoamigável’ e os resultados que a gente teve até agora foram muito eficientes em papel.”
“É uma preocupação do grupo brasileiro de perícia, os efeitos a longo prazo na manipulação de outras substâncias. Usando um reagente à base de química verde, a gente consegue custos até 10 vezes mais baratos do que os importados utilizados atualmente”, explica.
Fonte: G1
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