Por que temos impressões digitais? Elas são realmente seguras?

Já parou para pensar em quantas vezes por dia você usa suas impressões digitais para, por exemplo, desbloquear o seu smartphone? Segundo a plataforma RescueTime, verificamos nosso celular, em média, 58 vezes por dia. São quase 60 usos diários, somente nessa função. Fora isso, muitas pessoas já utilizam essa biometria até mesmo como chave de casa ou como senha em bancos.

Mesmo que possa parecer, o uso das impressões digitais não é, nem de longe, uma novidade. Desde o final do século XIX, a ciência estuda as impressões digitais como forma de distinguir e classificar pessoas, em moldes bastante similares aos atuais. Só que muito antes disso, há relatos de que na China Antiga (200 a.C.) já se utilizavam selos de argila, contendo as impressões digitais de autoridades locais. Isso para garantir a autenticidade e oficialidade de documentos e cartas.

Impressões digitais são usadas como forma de identificação de pessoas desde a China Antiga (Imagem: Reprodução/ Pixabay)

Para entender as origens, o grau de segurança e o futuro das impressões digitais, o Canaltech entrevistou Rodrigo Meneses, doutor em nanociência e nanotecnologia pela Universidade de Brasília (UnB) e que atua há mais de 10 anos na área da papiloscopia forense. Além disso, Meneses é especializado em impressões latentes, que são aquelas impressões digitais encontradas em cenas de crime.

O que são impressões digitais?

Para entender quais são as suas impressões digitais, basta passar alguma tinta na mão e tocar uma folha de papel. Mais fácil ainda, se a tela de seu celular estiver um pouco engordurada, basta apertar o dedo sobre ela e conferir suas digitais. O que se enxerga são marcas da pele espessa, a pele encontrada na palma das mãos, nas plantas dos pés e nos dedos.

“Tecnicamente, chamamos de cristas de fricção essas estruturas da pele e as impressões digitais são, na verdade, as impressões deixadas quando essas cristas de fricção da pele tocam determinado objeto”, explica o papiloscopista sobre a diferença entre as estruturas e as marcas deixadas.

“No contexto evolutivo, as cristas de fricção se tratam de uma vantagem adaptativa, tanto para o hábito de escalada quanto para a manipulação de objetos. Uma manipulação mais precisa de objetos demanda também um certo atrito com a nossa pele espessa”, completa o pesquisador sobre essa vantagem, que não é exclusiva dos humanos.

Isso porque as impressões digitais também são deixadas por outros animais. Por exemplo, os primatas, de uma forma geral, apresentam as cristas de fricção na pele espessa. Nesse sentido, uma curiosidade é que as espécies de macacos que se penduram com a cauda — chamada cauda preênsil — também deixam suas digitais. Alguns marsupiais, como os coalas, também as têm. “É uma vantagem evolutiva, porque conferiu atrito à pele, e assim, esses animais acabavam escorregando menos e tinham mais sucesso nos seus ambientes”, comenta Meneses.

Etnia e possíveis doenças

Especificamente, as impressões digitais, por si só, podem dizer muito pouco a respeito das pessoas. Nesse campo, pesquisadores já investigaram inúmeras hipóteses e conexões por essas marcas deixadas pelas pessoas. Por exemplo, buscaram uma possível relação entre as digitais e os diferentes grupos étnicos, mas não alcançaram resultados significativos.

As relações mais possíveis têm a ver com algumas doenças, a partir das impressões palmares. “Isso porque nas palmas temos algumas características que são prevalentes em pessoas que têm alguns distúrbios e doenças neurológicas, como uma predisposição a esquizofrenia — mas nada também que tenha um percentual de contabilidade muito alto”, comenta o doutor em nanociência e nanotecnologia.

Análises químicas de impressões digitais podem apontar para uso de drogas e até mesmo explosivos (Imagem: Reprodução/ Pixabay)

Se as digitais podem dizer pouco sobre as pessoas, por outro lado, dizem muito a respeito das situações em que são encontradas, como a cena de um crime. No entanto, a ciência não se limita à identificação de quem esteve no local e já procura por aspectos químicos dos vestígios de impressões digitais latentes. Nessa questão, o especialista explica: “é possível extrair uma série de informações além do aspecto bidimensional da biometria. Você identifica uma assinatura química específica, que se diferencia de outros indivíduos e que te traz também informações sobre uso de medicamentos, drogas, hábitos e até informações relativas ao gênero da pessoa”. Inclusive, é possível identificar o contato com explosivos.

Grau de confiabilidade

No contexto da identificação humana, as impressões digitais são um tipo de biometria, entre vários outros. Entretanto, são muito utilizadas por causa de sua praticidade e pelo fato de sua coleta não ser invasiva. Além disso, cada impressão tem um número grande de características individuais, conhecidas como minúcias.  Meneses conta que “até gêmeos idênticos apresentam padrões de impressões digitais parecidos, o tipo fundamental e a contagem do número de cristas tendem a ser convergentes, mas as minúcias são muito diferentes”.

“Quando nós olhamos uma impressão digital para fins de identificação, precisamos, necessariamente, analisar as minúcias, que são interrupções das cristas de fricção. Nas superfícies, essas cristas vão apresentando algumas interrupções e bifurcações. Quando estamos falando de um padrão de uma impressão digital, ou seja, uma impressão digital rolada, estamos falando em uma média de mais de 50 minúcias. Um bom padrão vai ter em torno de 80 a 90 minúcias”, ensina Meneses sobre as diferenciações entre esse marcador.

Analisando 30 minúcias, a cada 10 trilhões de impressões, apenas uma coincidiria (Gráfico: Reprodução/ Rodrigo Meneses)

“Se eu considerar um confronto entre duas impressões, analisando exclusivamente 10 minúcias, lembrando que nos padrões consideramos muito mais (cerca de 60 a 70 para fins de identificação civil ou criminal), teríamos uma possível coincidência de três em 100 mil casos”, conta Rodrigo sobre as possíveis hipóteses de coincidência nesse processo.

Entretanto, a história muda, completamente, de proporção quando são analisadas 20 minúcias. Nessa situação, uma coincidência seria inferior a uma em um bilhão de casos. Agora, com 30 minúcias, as chances de uma coincidência seriam menores que uma em 10 trilhões. Mesmo assim, além das minúcias, outras características são analisadas, como os tipos fundamentais dessas impressões e as ausências de divergências.

Perdendo as impressões digitais

“A perda das impressões digitais é momentânea e acontece quando a nossa pele entra em contato com um agente químico, como a água sanitária. Na desinfecção por água sanitária, se deixarmos o produto entrar em contato com a nossa pele espessa, é possível perceber que ele fica mais lisa, porque esse produto degrada as cristas de fricção”, comenta Meneses.

Como essa perda é temporária, em um prazo máximo de 30 dias, as cristas de fricção e suas estruturas retornam ao normal. A maior dificuldade está nos grupos que lidam com produtos químicos diariamente, como os profissionais de limpeza e quem trabalha com construção, sem utilizar os equipamentos de segurança adequados. Isso porque, provavelmente, terão sempre problemas ao usar essa biometria.

No entanto, considerando alguns processos, como a cicatrização, quando se tem uma lesão no dedo da mão, por exemplo, as digitais de uma pessoa podem se alterar para sempre. Segundo Meneses, “a cicatriz passará a fazer parte da impressão digital dali para frente, e esse, talvez, seja um dos principais fatores de alteração das impressões”.

Além de humanos e primatas, alguns marsupiais também deixam impressões digitais nas superfícies que tocam (Foto: Reprodução/ Pixabay)

Com o envelhecimento, também há alterações naturais das impressões digitais deixadas pelas pessoas com mais idade. “Quando se comparam as impressões de indivíduos idosos com as de quando eram jovens, existe uma perda de qualidade para fazê-las, mas isso não afeta a identificação das pessoas”, explica Meneses.

O que o futuro nos reserva?

Com a ascensão das impressoras 3D, foi possível desenvolver técnicas para se fraudar impressões digitais, como imprimir em uma superfície as cristas de fricção de uma pessoa, simulando um dedo humano. “Só que a tecnologia também evoluiu para prevenir fraudes, como é o caso do Liveness, que detecta se o dedo, de fato, está vivo. Também há sensores de calor e de circulação sanguínea que vão ser capazes de dizer se é um dedo real ou não”, argumenta Meneses. Mesmo assim, ainda há casos em que pessoas burlam esses sistemas, como o grupo de médicos e enfermeiros que usava dedos de silicone para bater o ponto, em São Paulo, por exemplo.

“Quando pensamos no futuro da biometria de impressões digitais, é inevitável pensar também em sistemas multi-biométricos para fins de identificação humana. Hoje, eles são chamados de sistemas automatizados de múltiplas biometrias. Isso significa que não será utilizada apenas uma biometria, como a impressão digital, mas você pode contar com uma combinação de várias delas”, reflete Rodrigo sobre as tendências que devem tornar a identificação de pessoas cada vez mais segura.

Entre as muitas biometrias possíveis, os sistemas podem contar com a identificação conjunta da face, da íris, da palma da mão, do padrão de veias, da voz ou ainda do padrão de caminhada de um indivíduo — o que é considerado uma biometria comportamental. Para Meneses, “os sistemas mais seguros utilizam as biometrias de maneira integrada para chegar a um resultado que é muito confiável”.

Fonte: Canal Tech
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