Técnica forense revela face de guerreiro germânico do Século IV

Trabalho de designer brasileiro se baseia em esqueleto encontrado em tumba luxuosa na Boêmia, rodeado por espada com cabo de osso e joias

De um crânio digitalizado do Século IV, acrescentado estimativa de pele e músculos, surge a aparência do provável líder militar romano enterrado na Boêmia Foto: Cicero Moraes / divulgação

 

Durante a pavimentação de uma autoestrada entre Praga e Pilsen, na República Tcheca, em 1978, operários encontraram a rica sepultura de um homem de 1,84 metro e forte compleição física rodeado por peças romanas. Pesquisas posteriores identificaram que os restos mortais pertenciam a um guerreiro com características germânicas do Século IV. Agora, com o uso da reconstituição com técnica forense, a face desse personagem é revelada pela primeira vez.

O guerreiro germânico voltou a ter um rosto graças ao trabalho do 3D designer brasileiro Cicero Moraes, especialista em reconstituições faciais. O trabalho será divulgado oficialmente no fim deste mês em evento na República Tcheca e passará a fazer parte da exposição permanente sobre a descoberta de 1978, no Museu da Boêmia Ocidental, em Pilsen.

— Recebi o crânio com a estrutura bastante comprometida, todo quebrado e levemente deformado. Tivemos que quebrá-lo todo digitalmente e remontar as peças como se fosse um quebra-cabeça em três dimensões. Ao final, fomos bem sucedidos, e o crânio estava pronto para revelar a face do guerreiro — conta Cicero.

Em um programa no computador, Cicero distribuiu pequenos pinos que indicam a altura da pele em, mais ou menos, 30 regiões da superfície do crânio restaurado digitalmente. Esses pinos ajudam em parte do processo.

— Para a projeção dos lábios, do nariz e posicionamento dos olhos, traçamos uma série de linhas a partir da estrutura dos ossos. Tudo isso é fundamentado por uma rica bibliografia técnica. Em seguida, colocamos os músculos principais e depois fazemos uma escultura digital que fornecerá os parâmetros gerais da face do indivíduo. Por fim, pigmentamos o rosto com pintura digital e colocamos pelos e cabelos.

O resultado final da reconstituição com o acréscimo, baseado em pesquisa, de barba e cabelo Foto: Cicero Moraes / divulgação

 

Descoberta

O pesquisador tcheco Jiri Sindelar está escrevendo um livro sobre a descoberta de 1978. O achado ficou conhecido como ‘A tumba principesca de Beroun’, uma alusão à cidade mais próxima. No local, havia espada de bronze com cabo de osso, escudo, faca, flechas, fivelas de bronze e joias.

 

Segundo Jiri, uma tribo germânica ocupava esta região no Século IV. Por isso, o esqueleto encontrado recebeu o apelido de ‘governante germânico da Boêmia’. Sabe-se que tinha em torno de 40 anos. A causa da morte não foi informada.

 

A câmara funerária era luxuosa para os padrões da época, com estruturas subterrâneas e encimada por detalhes de madeira, além de um santuário acima. Era claramente um nobre, possivelmente um líder militar que vinha de Roma, conforme indicam seus pertences.

Tumba de guerreiro germânico do Império Romano foi encontrada em 1978, durante obra de pavimentação entre Praga e Pilsen Foto: Museu da Boêmia / divulgação

A ideia de dar um rosto ao achado surgiu ainda este ano, quando Jiri e o arqueólogo Pavel Brichacek, conhecido como descobridor de sepulturas, foram contratados para escanear a tumba e o crânio.

 

— Este é um caso muito interessante. A tumba é muito rica. Essa é uma exceção para sepulturas masculinas. Sabemos que nesse período eram mais comuns sepulturas femininas ricas. Aqui temos uma sepultura esquelética e uma complexa estrutura funerária. Tudo isso atesta o alto status social do falecido — observa Jiri.

 

Subjetividade

Cicero Moraes tem longo histórico de trabalhos prestados a equipe tcheca de pesquisas arqueológica Geo CZ, da qual Jiri Sindelar faz parte. Desde 2016 fez reconstruções faciais de santos e figuras históricas da República Tcheca, Romênia e Hungria, como a Rainha Judite da Turíngia (1135-1174).

Cicero precisou, inicialmente, reconstruir o crânio digitalmente para preencher espaço com tecido, músculos e pele Foto: Cicero Moraes / divulgação

 

Depois da reconstrução crua, com base no crânio, vem uma fase de maior subjetividade. Muitos dados são acrescentados com base em pesquisas de documentos históricos.

 

— Não temos ideia como era o penteado do cabelo desse líder militar. Mas é uma projeção e é o que temos de mais próximo do indivíduo — assinala o designer.

Mas, e se o guerreiro germânico, em carne e osso, aparecesse na frente de Cicero, será que ele o reconheceria apenas pela reconstituição facial?

— Provavelmente sim, porque já reconstruí alguns indivíduos vivos a partir das suas tomografias e, quando os conheci, pude identificar uma série de similaridades — observa o 3D designer.

 

 

Fonte: O Globo

 

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